Tomo II

Tenho um plano. Desde muito cedo, mimeticamente acumulamos coisas, quais pegas rapinas, pelo prazer de "ter", de "possuir", de reclamar algo como "nosso". Assinamos os nossos nomes, fazemos marcas, melhor ou pior encriptadas, e guardamos tudo em gavetas, armários com chave, cofres com combinação. Que ilusão.

Tenho um plano. Quando olho para tudo aquilo que acumulei, sinto um medo cada vez mais real. De que me quero livrar sistematicamente. Descobri, no entanto, uma maneira simples de o fazer. Já me apercebi de que há coisas - materiais, entenda-se - de que não tenho dificuldade nenhuma de me desfazer. Seja através da reciclagem ou da doação, isso já está a acontecer. E, inerente a este processo, há uma sensação de libertação ao fazê-lo que me lava por dentro e que me renova. Vou levá-lo ao seu propósito lógico. Que bonança.

Tenho um plano. As "metades de vidas" a que me referi em outras publicações, assim como as tais "experiências liminares", penso que passam também por aqui. Por isto e muito mais. Agora sei-o. Este despojamento também se assume interior, seguramente. Sinto que, mais do que um novo capítulo da minha transiente história pessoal, estou a começar um segundo tomo, complementar ao inicial. Que irá ditar o balanço, em forma de dicotomia de valores. Que surpresa.

Tenho um plano. Todos devíamos ter um plano. Em forma de livro d'água. Com páginas lisas e com escritas transparentes. De marés cheias de Vida. De Presentes do Indicativo, livres de Pretéritos Imperfeitos. De leveza de gestos. De sadios afetos. De atitudes coerentes. Contra-correntes à reinante indigência de valores. Que bom ainda ir a tempo.

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