O meio da vida

A obra de Sophia, cujo centenário do seu nascimento se comemora ao longo deste ano com inúmeras atividades e iniciativas, é prenhe de simbolismos e eterna no seu redescobrir.

Não fugindo à regra, recupero um pequeno excerto de um dos seus 'Contos Exemplares' - "A Viagem". E a sua descoberta afirma-se certeira no meu percurso de vida.

"A estrada ia entre campos e ao longe, às vezes, viam-se serras. Era o princípio de Setembro e a manhã estendia-se através da terra, vasta de luz e plenitude. Todas as coisas pareciam acesas.
E, dentro do carro que os levava, a mulher disse ao homem:
- É o meio da vida.
Através dos vidros, as coisas fugiam para trás. As casas, as pontes, as serras, as aldeias, as árvores e os rios fugiam e pareciam devorados sucessivamente. Era como se a própria estrada os engolisse.
Surgiu uma encruzilhada. Aí viraram à direita. E seguiram.
- Devemos estar a chegar - disse o homem.
E continuaram.
Árvores, campos, casas, pontes, serras, rios, fugiam para trás, escorregavam para longe.
A mulher olhou inquieta em sua volta e disse:
- Devemos estar enganados. Devemos ter vindo por um caminho errado.
- Deve ter sido na encruzilhada - disse o homem, parando o carro.
- Virámos para o Poente, devíamos ter virado para o Nascente. Agora temos de voltar até à encruzilhada.
A mulher inclinou a cabeça para trás e viu quanto o Sol já subira no céu e como as coisas estavam a perder devagar a sua sombra. Viu também que o orvalho já secara nas ervas da beira da estrada.
- Vamos - disse ela.
O homem virou o volante, o carro deu meia volta na estrada e voltaram para trás."

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