A menina do Mar

Viver sem o mar à minha beira é impensável. Habituei-me a ele. Talvez por ter crescido sempre a seu lado. Sophia perceber-me-ia. Dedicou-lhe muitos dos seus poemas. Deixo-vos aqui um dos meus preferidos. O primeiro de muitos sobre o Mar.

Pudera eu ter assim a voz tão cristalina e depurada. Tenho-te a ti, Mar. E basta-me por ora.


Fundo do mar


No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.



Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I

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